domingo, 15 de julho de 2012

Os motores que movem a fábrica de escândalos de corrupção no Brasil

Legislação tolerante, lentidão da Justiça e dificuldade para reaver recursos contribuem para sucessão de casos


O iminente julgamento do mensalão no Supremo Tribunal Federal mês que vem, longos sete anos depois de estremecer o país, ilustra a dificuldade de apurar e julgar casos de suspeita de corrupção no Brasil. A fábrica nacional de escândalos funciona sem parar graças a um complexo mas eficiente mecanismo de desvio do dinheiro público.
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Suas principais engrenagens incluem a tolerância da legislação, a lentidão da Justiça e a dificuldade para reaver os recursos. Em razão disso, investigações notórias deflagradas nos últimos 10 anos seguem sem conduzir eventuais culpados para a cadeia, e o dinheiro de volta aos cofres públicos.
Uma análise das fraudes de grande repercussão ocorridas ao longo da década no Estado e no país demonstra um ambiente favorável para a instalação de indústrias de rapinagem. Apenas no Rio Grande do Sul, uma amostra de cinco grandes descalabros revela que todo o trabalho de apuração das supostas irregularidades ainda não chegou a conclusões definitivas. No mais celebre dos casos, a fraude no Detran, há chance de sentença ainda neste ano.
— A principal razão para a sucessão interminável de escândalos são os códigos de processo civil e penal, que oferecem um exagero de oportunidades para a apresentação de recursos. Quem tem dinheiro para um bom advogado protela todo o procedimento — avalia o diretor-executivo da Transparência Brasil, Cláudio Abramo.
Há vagando no Congresso um vasto número de projetos de lei que poderiam dificultar o trabalho dos corruptos, mas não há previsão de se tornarem realidade. Atualmente, existem 138 propostas destinadas a frear as engrenagens que fabricam escândalos — mas chegam ao plenário a conta-gotas.
— Esse assunto não é prioridade — lamenta o secretário-geral da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco.
Como estancar desvios
Os estímulos concedidos a quem enriquece com dinheiro alheio incluem, ainda, um risco baixíssimo de ter de devolver os recursos. Mesmo quando os desvios são descobertos e resultam na aplicação de multas aos responsáveis, o índice de pagamento é mínimo. Um estudo do Tribunal de Contas da União (TCU) revela que, entre 2008 e o ano passado, apenas 9,8% do dinheiro exigido pelo órgão foi recuperado.
Em ações de improbidade, a devolução dos recursos saqueados costuma estar condicionada à condenação dos réus. Em alguns casos há bloqueio de bens de envolvidos, mas o ressarcimento depende da sentença definitiva.
— A solução não é simples. É uma combinação de providências, desde mudanças legislativas até administrativas. Hoje, por exemplo, não há limite para pedidos de habeas corpus. Não suspendem o processo, mas estão constantemente submetendo o juiz a prestar informações, o que toma tempo — observa o promotor Tiago de Menezes Conceição, da Promotoria Regional de Defesa do Patrimônio Público.
O presidente do Tribunal de Contas do Estado, Cezar Miola, afirma ser necessário aumentar a integração das instituições fiscalizadoras, incentivar o controle interno em órgãos públicos, ampliar as ações de caráter preventivo contra a corrupção e o uso da tecnologia nessas atividades.
— É preciso que especialmente para os crimes de peculato, corrupção e concussão (extorsão praticada por funcionário público) sejam estabelecidas penas mais severas — completa.
Confira algumas das razões que tornam o Brasil um lugar propício para a reprodução de escândalos:
BUROCRACIA
— Quanto mais burocrático o funcionamento de um país, maior é o apelo para driblar a ineficiência pública por meio de propinas. Pesquisa do Banco Mundial mostra que o prazo médio de 119 dias para um brasileiro conseguir abrir uma empresa deixa o país na posição 178 em um ranking de 182.
SISTEMA POLÍTICO
— Algumas características do sistema estimulam o desvio de dinheiro público, como o modelo de financiamento de campanhas, a forma de liberação de dinheiro por meio de emendas parlamentares e o foro privilegiado.
EXCESSO DE RECURSOS
— A facilidade para um réu entrar com petições, pedidos de habeas corpus e recursos variados faz com que qualquer suspeito com um bom advogado seja capaz de adiar uma sentença definitiva por um longo tempo. Isso resulta em sensação de impunidade que estimula as fraudes.
DIFICULDADE PARARETOMADA DO DINHEIRO
— A falta de uma legislação mais rigorosa, combinada à morosidade provocada pelas brechas do sistema judicial, faz com que seja muito difícil para a sociedade reaver o dinheiro público desviado. No momento de pesar os prós e contras de cometer uma irregularidade, isso também estimula os corruptos a se arriscarem.
AMBIENTE CULTURAL PRÓ-CORRUPÇÃO
— Ainda vigora, no país, um ambiente cultural propício à corrupção. Muitos políticos envolvidos em escândalos, por exemplo, depois de algum tempo voltam à vida pública – ou jamais a deixam. Além disso, há falta de limites entre o que é público e o que é privado, o que também facilita abusos.

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