domingo, 3 de junho de 2012

Código de conduta ajudaria a evitar constrangimentos na suprema corte brasileira, dizem juristas

Bate-bocas públicos e declarações fortes reacendem debate sobre conduta de ministros

Código de conduta ajudaria a evitar constrangimentos na suprema corte brasileira, dizem juristas Fellipe Sampaio/Divulgação
Ministro Gilmar Mendes e ministro Celso de Mello em sessão plenária
Com 11 integrantes e dois séculos de existência, o Supremo Tribunal Federal (STF) foi concebido para reunir o mais elevado cabedal jurídico do país, cuja missão é garantir o cumprimento da Constituição.
Todavia, nem mesmo o rigor formal que barra a entrada na Corte de mulheres com ombros desnudos ou penteado extravagante impediu que nos últimos tempos o STF protagonizasse sucessivas polêmicas, com os ministros envolvidos em contendas políticas ou substituindo o linguajar empolado por bate-bocas constrangedores.
— O colegiado é um ninho de víboras — resumiu, esta semana, Marco Aurélio Mello, com a experiência de quem há 22 anos está no STF.
A mais recente celeuma foi o mal explicado encontro entre o ministro Gilmar Mendes, o ex-presidente Lula e o ex-ministro do STF Nelson Jobim. Mendes afirma ter sido chantageado por Lula, que teria oferecido proteção na CPI do Cachoeira em troca do adiamento do julgamento do mensalão. Lula e Jobim negaram o teor da conversa. Mendes reagiu, dizendo que era vítima de uma central de boatos operada por "bandidos, chantagistas e gângsteres".
Embora o STF esteja cada vez mais atuante, com decisões importantes no vácuo da omissão legislativa do Congresso, o episódio reacendeu o debate sobre o comportamento da cúpula do Judiciário. No entendimento de juristas, políticos e ministros de Cortes superiores, nenhum dos três envolvidos agiu de forma correta. Na avaliação predominante, porém, Mendes não poderia ter se encontrado com Lula no escritório de um advogado, em um compromisso fora de sua agenda oficial.
— Imagina o que aconteceria nos Estados Unidos se um ministro da Suprema Corte fosse a um escritório de advocacia? O mundo cairia — comparou o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ).
Essa não foi a primeira vez que Mendes se envolve em discussão pública. Depois de se desentenderem no plenário do STF, em 2009, ele e o colega Joaquim Barbosa trocaram ofensas na imprensa. Mendes chamou Barbosa de "preguiçoso" e "despreparado". O revide foi virulento. Barbosa classificou o contendor de "violento" e "atrabiliário", e o acusou de aparelhar o Supremo com "interesses monetários e partidários".
Há dois meses, Barbosa também bateu boca pelos jornais com o então presidente do tribunal Cezar Peluso. Classificado de "inseguro" e com "temperamento difícil" por Peluso, Barbosa disse que o ministro era "tirano", "desleal", "ridículo" e "caipira".
Para o ministro Guilherme Caputo Bastos, do Tribunal Superior do Trabalho, a frequência com que essas diatribes vêm ocorrendo demonstra a necessidade de um código de conduta para a magistratura. Com a ressalva de que é amigo de Jobim e Mendes, e de que dificilmente recusaria um encontro com um ex-presidente da República, Bastos diz que faltam regras claras para reger os ministros de cortes superiores.
— Jamais um caso dessa natureza aconteceria nos Estados Unidos ou na Espanha. O STF deveria capitanear um debate sobre criação de parâmetros de comportamento — prega.
Na opinião de Bastos, o destempero cresceu a partir de um protagonismo exacerbado dos ministros, fruto das transmissões ao vivo das sessões plenárias. O televisionamento foi permitido nos anos 1990, em uma lei sancionada por Marco Aurélio Mello, que substituía interinamente o então presidente Fernando Henrique Cardoso na chefia do Executivo. Desde então, praticamente se aboliu a sentença segundo a qual um juiz só fala nos autos.
Nos últimos anos, a imprensa flagrou ministros admitindo ter julgado com a "faca no pescoço" (Ricardo Lewandowski, no recebimento da denúncia do mensalão) e trocando inconfidências em plenário sobre o voto dos colegas (Lewandowski e Cármen Lúcia, na mesma ocasião).
Para o jurista Dalmo Dallari, o excesso de exposição cria uma imagem negativa do STF. Professor da Universidade de Paris e com experiência em cortes europeias, Dallari defende que o Supremo seja transferido de Brasília, a exemplo do que ocorre na Alemanha:
— A cúpula judiciária tem de ficar longe centro do poder político. E ministro do STF não tem nada de dar entrevista, fazer acusações, mexericos. Isso prejudica a autoridade do Judiciário.

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