Novos espiões incorporam lógica suicida de grupos terroristas
Agente secreto dos dias de hoje perdeu o glamour de um 007 e deixou de ser o burocrata do livros de John Le Carré
Imagine a cena: uma sala empoeirada, um ventilador girando lentamente sem
capacidade de combater o calor opressivo, pouca água, muito ódio e um plano para
derrubar um avião comercial dos Estados Unidos. No ambiente, uma pessoa em quem
todos confiam, é selecionada para uma missão suicida. Neste contexto, não há
honra maior.
O escolhido conseguiu convencer a todos de que estava preparado, de que era um semelhante. Estavam errados. Foram enganados por um homem que, durante anos, atuou numa farsa e, quando alçado ao papel de protagonista, os traiu. Algo semelhante ao que ocorreu com o plano terrorista da divisão da Al-Qaeda no Iêmen desarticulado pela CIA, conforme revelado na quinta-feira.
Aquele era, na verdade, um espião moderno. Para entendê-lo, apague tudo o que representa o estilo 007, de James Bond: troque a elegância pela miséria; a força pela manipulação; as mulheres apaixonadas pela castidade religiosa e, por fim, o romance pela realidade. Não há charme na vida de um agente secreto vivendo em cavernas no Afeganistão ou acompanhando assassinos sectários no Iraque. Existe apenas a desconfiança e o risco permanente da morte.
— Estejam certos ou errados, os membros da Al-Qaeda vão matar alguém se suspeitarem que é um espião — diz o americano especialista em terrorismo J.M Berger.
A profissão que inspirou tantos livros e filmes durante a Guerra Fria mudou. Assim como o contexto mundial após a queda do muro de Berlim, o mundo deixou de ser uma disputa entre capitalismo e comunismo, de países que mediam seu poder pelo arsenal militar e capacidade econômica e se digladiavam sorrateiramente num complexo jogo de espionagem. Todos sabiam seus papéis, todos conseguiam localizar os inimigos no mapa. E sempre havia quem mudasse de posição por uma boa soma de dinheiro.
Agora, a guerra é diferente. Não há Estados, mas um fanatismo religioso que não respeita fronteiras geográficas.
— Estamos falando de um grupo pequeno de pessoas. Quando o governo (George W.) Bush, após o 11 de Setembro, inaugurou uma nova política estratégica de combate, o presidente disse: "nós estamos combatendo um novo tipo de inimigo, um inimigo que opera nas sombras" — relembra o professor de Ciência Política da John Hopkins University Max Abrahms.
Até a queda das Torres Gêmeas, pensava-se que era impossível infiltrar um agente na Al-Qaeda. Além do alto risco, é necessário um conhecimento muito especializado na língua e na cultura de onde se quer realizar a operação — quem nasce nos Estados Unidos, por exemplo, está praticamente descartado. Como são grupos fechados e baseados em redes sociais e familiares, é preciso ter laços com a comunidade local, ser recomendado por mais de uma pessoa e comprovar de maneira sutil o comprometimento com a jihad (guerra santa).
— Pode levar anos para atingir níveis elevados que tenham informações valiosas — diz Berger.
Conceito se manteve
Como as operações são secretas, há poucos dados disponíveis sobre agentes-duplos nas redes terroristas. Sabe-se que existem, mas que o número é reduzido. Conforme Michael Rubin, um ex-funcionário do Pentágono e pesquisador sobre o Oriente Médio, se há um consenso entre os analistas de Inteligência nos EUA, é o de que o país está muito aquém da capacidade na área:
— É praticamente impossível penetrar na Coreia do Norte e estamos longe de ser bem-sucedidos no Líbano e no Irã.
Há também os riscos de contraespionagem. Em 2009, a CIA caiu em uma armadilha de um agente-duplo a serviço do Talibã, em uma base da agência na fronteira entre o Afeganistão e o Paquistão. O médico jordaniano Humam Khalil Abu-Mulal al-Balawi que, supunha-se, trabalhava para os americanos, explodiu-se e matou nove agentes.
Os inimigos atuais não se importam com a morte, querem realizar o ataque. É mais um fator que aumenta os riscos do processo de cooptação de espiões. Apesar das mudanças no mundo da espionagem, seja na tentativa de corromper membros do alto escalão do antigo regime soviético ou no anonimato de uma sala abafada no Iêmen, o conceito básico do jogo se manteve: saber o que seus inimigos estão fazendo.
O escolhido conseguiu convencer a todos de que estava preparado, de que era um semelhante. Estavam errados. Foram enganados por um homem que, durante anos, atuou numa farsa e, quando alçado ao papel de protagonista, os traiu. Algo semelhante ao que ocorreu com o plano terrorista da divisão da Al-Qaeda no Iêmen desarticulado pela CIA, conforme revelado na quinta-feira.
Aquele era, na verdade, um espião moderno. Para entendê-lo, apague tudo o que representa o estilo 007, de James Bond: troque a elegância pela miséria; a força pela manipulação; as mulheres apaixonadas pela castidade religiosa e, por fim, o romance pela realidade. Não há charme na vida de um agente secreto vivendo em cavernas no Afeganistão ou acompanhando assassinos sectários no Iraque. Existe apenas a desconfiança e o risco permanente da morte.
— Estejam certos ou errados, os membros da Al-Qaeda vão matar alguém se suspeitarem que é um espião — diz o americano especialista em terrorismo J.M Berger.
A profissão que inspirou tantos livros e filmes durante a Guerra Fria mudou. Assim como o contexto mundial após a queda do muro de Berlim, o mundo deixou de ser uma disputa entre capitalismo e comunismo, de países que mediam seu poder pelo arsenal militar e capacidade econômica e se digladiavam sorrateiramente num complexo jogo de espionagem. Todos sabiam seus papéis, todos conseguiam localizar os inimigos no mapa. E sempre havia quem mudasse de posição por uma boa soma de dinheiro.
Agora, a guerra é diferente. Não há Estados, mas um fanatismo religioso que não respeita fronteiras geográficas.
— Estamos falando de um grupo pequeno de pessoas. Quando o governo (George W.) Bush, após o 11 de Setembro, inaugurou uma nova política estratégica de combate, o presidente disse: "nós estamos combatendo um novo tipo de inimigo, um inimigo que opera nas sombras" — relembra o professor de Ciência Política da John Hopkins University Max Abrahms.
Até a queda das Torres Gêmeas, pensava-se que era impossível infiltrar um agente na Al-Qaeda. Além do alto risco, é necessário um conhecimento muito especializado na língua e na cultura de onde se quer realizar a operação — quem nasce nos Estados Unidos, por exemplo, está praticamente descartado. Como são grupos fechados e baseados em redes sociais e familiares, é preciso ter laços com a comunidade local, ser recomendado por mais de uma pessoa e comprovar de maneira sutil o comprometimento com a jihad (guerra santa).
— Pode levar anos para atingir níveis elevados que tenham informações valiosas — diz Berger.
Conceito se manteve
Como as operações são secretas, há poucos dados disponíveis sobre agentes-duplos nas redes terroristas. Sabe-se que existem, mas que o número é reduzido. Conforme Michael Rubin, um ex-funcionário do Pentágono e pesquisador sobre o Oriente Médio, se há um consenso entre os analistas de Inteligência nos EUA, é o de que o país está muito aquém da capacidade na área:
— É praticamente impossível penetrar na Coreia do Norte e estamos longe de ser bem-sucedidos no Líbano e no Irã.
Há também os riscos de contraespionagem. Em 2009, a CIA caiu em uma armadilha de um agente-duplo a serviço do Talibã, em uma base da agência na fronteira entre o Afeganistão e o Paquistão. O médico jordaniano Humam Khalil Abu-Mulal al-Balawi que, supunha-se, trabalhava para os americanos, explodiu-se e matou nove agentes.
Os inimigos atuais não se importam com a morte, querem realizar o ataque. É mais um fator que aumenta os riscos do processo de cooptação de espiões. Apesar das mudanças no mundo da espionagem, seja na tentativa de corromper membros do alto escalão do antigo regime soviético ou no anonimato de uma sala abafada no Iêmen, o conceito básico do jogo se manteve: saber o que seus inimigos estão fazendo.
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