quarta-feira, 21 de março de 2012

Stand-up comedy: dois meses de trabalho para arrancar uma gargalhada de segundos


Comediante Myq Kaplan conta como é feito o ritual de elaboração e aprimoramento de uma piada


Enviar para um amigo
 

Stand-up comedy: dois meses de trabalho para arrancar uma gargalhada de segundos Josh Haner/NYTNS
Myq Kaplan precisou de dois meses para elaborar uma piada que arrancasse risos do público na TV Foto: Josh Haner / NYTNS


Nova York — Na noite após o Natal, o comediante Myq Kaplan fez algo que a maioria das pessoas acharia assustador. Ele contou piadas novas por cerca de 20 minutos a uma plateia lotada.
— Você tem que estender o casaco para as damas passarem: é assim que deveria ser. Se aparecer uma poça de água e a dama parecer que não quer atravessá-la, bem, devo colocar o meu casaco no chão, porque a sola do sapato dela é mais importante do que todo o meu casaco — disse ele, falando depressa no Clube de Comédia da Broadway, em Midtown Manhattan.
Apesar de ser recebido com gargalhadas consideráveis, esse não era um trabalho acabado: era prolixo e um pouco impreciso. Uma hora mais tarde, no Teatro Upright Citizens Brigade, no quarto espetáculo daquela noite, ele refinou a piada, situando com mais paciência o quadro como uma comparação entre o cavalheirismo do passado e o do presente, e acrescentando um ponto de vista mais nítido.
— Ninguém vê um cara de uma jaqueta suja e diz: "Cavalheiro". Eles falam: "Ei, sem-teto!" — disse ele.
As risadas foram mais altas. Kaplan percebeu que a piada tinha potencial, descrevendo, mais tarde, a piada do cavalheirismo como a sua favorita entre as novas. Andando nos bastidores, conversou com Louis C.K., cujo espetáculo ele tinha aberto no início do ano. Kaplan, de 33 anos, observou C.K. experimentando matérias-primas.
Depois, disse que era inspirador ver um comediante que está no auge de seu meio trabalhando em novas piadas em um teatro de porão por volta de meia-noite.
— Todos nós temos que fazer isso — disse ele.
A qualidade mais subestimada dos comediantes ao vivo bem-sucedidos é quão arduamente eles trabalham, o que ficou claro com a evolução dessa piada ao longo de dois meses. A comédia ao vivo é uma forma rara que, geralmente, precisa ser testada frente ao público.
O respeitado Myq (pronuncia-se como Mike) Kaplan, que costuma se apresentar no Comedy Cellar, em Greenwich Village, experimentou desde então variações de sua piada sobre o cavalheirismo em cerca de 80 apresentações. Quase todas as vezes, ele grava a piada, estuda os resultados e anota novas ideias. Desse trabalho, contou, ele não consegue se imaginar abrindo mão.
Magro, de óculos e normalmente vestindo uma camiseta amarrotada, Kaplan prefere as piadas complexas e altamente verbais. Ele transformou um anagrama em um remate para a apresentação: (Homem-Aranha = P.S. Eu sou nerd). Uma piada característica segue a lógica de algo a tal extremo que se torna ilógico.
A piada do cavalheirismo começou como uma observação a respeito de uma convenção obsoleta, mas evoluiu para algo muito mais bizarro. Quando o assunto é piada, todas as palavras importam. O primeiro avanço de Kaplan foi três dias depois, no palco do Comedy Studio, em Boston, onde mudou de repente "a sola do sapato dela" para "planta do pé de uma dama".
Ele gostou da sonoridade. Quando contou a piada inteira para Josh Gondelman, um comediante que comenta frequentemente os seus materiais novos, o veredicto via e-mail foi decisivo: "Planta do pé é engraçado!". Encontrar uma palavra melhor para casaco se mostrou mais difícil. Ele experimentou "roupa para todo o tronco", depois "metade superior do homem", até se decidir por "tronco de homem" ou "tronco".
— Eu gosto de "tronco" porque é comum e incomum ao mesmo tempo. As pessoas sabem o que significa, mas não usam a palavra com frequência — disse Kaplan.
A primeira semana é sem dúvida a mais criativa da vida de uma piada. Para Kaplan, tudo se trata de gerar ideias. O que poderia explicar essa convenção da jaqueta? Talvez, ele especula, as jaquetas fossem muito baratas antigamente e, como ele diria mais tarde, no palco, "os homens andavam com sete casacos na esperança de que não fossem passar por um dia de oito poças."
Ele também decidiu que o equivalente moderno dessa tradição seria baixar o assento do vaso sanitário. Todas essas ideias foram transformadas em piadas à medida que o fragmento se expandiu. As situações foram reduzidas. Os remates se multiplicaram. Logo, o casaco sobre a poça se tornou um dos vários exemplos de cavalheirismo que começaram com uma pantomima: ao abrir uma porta, Kaplan pergunta ao público:
— Será que abrir a porta do carro para uma dama dizendo "Cavalheiriiiismo" prejudica o cavalheirismo? — questionou, prolongando a palavra com o tom petulante de um mágico que apresenta o assistente.
Kaplan optou ainda por substituir o trecho sobre o sem-teto por uma piada vulgar sobre o cavalheirismo durante o sexo.
— Ela teve um impacto mais poderoso — disse Kaplan.
Por volta do início de janeiro, o ritmo de Kaplan se tornou mais confiante e relaxado, com pausas demoradas, conquistando mais risadas entre os remates. Sua típica pose de encenação — inclinado para trás, com a mão livre, delicadamente colocada sobre o estômago, como se estivesse grávido — ficou mais solta, acrescida de toques de teatralidade.
Independentemente do local do espetáculo (clubes, restaurantes e até mesmo um albergue), o cavalheirismo funcionou sempre. O foco agora era conquistar as risadas certas. Era importante, pensou ele, emplacar uma ótima gargalhada logo no início, com a abertura da porta do carro, e apará-la, transformando uma pergunta ("Isso diminui o cavalheirismo...?") em uma afirmação.
Mais tarde, ele retomou a pergunta. As risadas se intensificaram ligeiramente. Kaplan acreditava que as piadas estavam prontas para chegar à televisão, então enviou uma fita a um representante do "Conan", um programa de televisão de fim de noite da TBS ao qual ele já tinha ido antes. A resposta foi animadora, mas não conclusiva.
O representante, J.P. Buck, fez comentários sobre o seu trabalho — alguns positivos, outros negativos — mas estava menos interessado no cavalheirismo e pulou várias piadas.
Foi assim que Kaplan reformulou as piadas, reduzindo as que lidavam com o cavalheirismo (incluindo a da porta do carro) e focando em um fragmento que Buck disse que poderia funcionar "eventualmente". Na noite em que teve notícias de Buck, ele contou esta piada:
— Eu sempre deixo roupas no chão. Minha namorada perguntava: "Por que você faz isso?". Tem coisas asquerosas no chão. Eu estou sendo cavalheiro.
A piada era menos sobre uma convenção obsoleta do que uma paródia de si mesmo. Seu tom de voz ficou mais sóbrio, menos brincalhão. Há pouco espaço para gracejos com a multidão na TV. Com "Conan" na mira, ele enviou semanalmente ao programa uma fita com piadas que estava preparando até fevereiro, quando recebeu o convite.
Kaplan parecia ansioso na noite anterior à apresentação, ainda avaliando se deveria experimentar uma piada sobre a etiqueta lésbica que não funcionou em um clube (ele decidiu não contá-la). Como é típico da comédia ao vivo na televisão, a sua apresentação foi mais lenta do que o habitual. Sua piada sobre o cavalheirismo virou um gracejo meticuloso e oblíquo.
— Eu nunca joguei minha jaqueta em uma poça d'água ou algo do tipo, mas deixo roupas por todo o chão do meu apartamento. As mulheres vêm e perguntam, "o que é isso?". Eu digo: "Cavalheiriiiismo"! — disse categoricamente.
A piada tinha percorrido um longo caminho. Ao usar a voz de mágico e balançar o braço, Kaplan infiltrou elementos da piada da porta do carro, e quando a contou em seu espetáculo ao vivo, que ainda incluía esse trecho, ela funcionou como uma extensão da piada anterior.
Aqui, a piada era tensa, desequilibrada, boba. O público riu. O apresentador, Conan O'Brien, elogiou a apresentação em um comercial. Ao ver em retrospectiva as várias encarnações da piada, Kaplan disse que era gratificante ver que houve melhorias. No entanto, a primeira vez sempre é mais divertida.
— Não há nada mais revigorante e emocionante do que apresentar uma piada para o mundo e ver que o público riu — contou ele.
Ainda assim, cada noite traz um público novo, e em parte para manter o frescor do seu espetáculo, ele continua a mexer no fragmento sobre o cavalheirismo. Está feliz com a piada que contou no "Conan", mas não descarta mudá-la.
— As piadas nunca têm ponto final — disse ele.

Nenhum comentário:

Postar um comentário