quinta-feira, 31 de maio de 2012

Celular de bicheiro põe decoro parlamentar em xeque

Aparelho usado por Demóstenes e pago por Cachoeira simboliza culpa de senador goiano


De todas as acusações que pesam contra o senador goiano Demóstenes Torres (ex-DEM) — algumas envolvendo cifras milionárias e intricadas jogadas de lobby empresarial —, uma parece ser a mais singela: o uso de um telefone pago pelo bicheiro Carlinhos Cachoeira.
Pois é exatamente o inocente celular que deve complicar a vida do parlamentar no Conselho de Ética da Casa.
Composta por 15 membros, a comissão analisa se Demóstenes deve perder o mandato por quebra de decoro parlamentar. Nesse tipo de caso, no qual o julgamento é mais político do que técnico, o que vale são flagrantes concretos de mau comportamento. Como o conselho não tem o mesmo tempo à disposição da Justiça para definir se alguém é culpado ou não, precisa de um fato palpável para tomar uma posição rapidamente.
Tanto que o relator do processo de cassação de Demóstenes, Humberto Costa (PT-PE), anunciou, ao final do depoimento do colega, na terça-feira, que colocará o assunto no seu voto:
— Se sabe que tipo de conduta é incompatível com a ética e a moral no trabalho parlamentar e, sem dúvida, essa é uma questão que precisa ser muito bem analisada. Não é usual que um senador conceda a uma pessoa claramente vinculada à contravenção a oportunidade de lhe presentear com um telefone.
Mulher de César
Situações assim não são incomuns. De todas as suspeitas existentes contra Fernando Collor, foi um Fiat Elba (a serviço da família do então presidente e pago com um cheque de PC Farias) um dos principais elementos a decretar a perda do mandato. Mais tarde, Collor acabou absolvido pela Justiça.
Demóstenes, como seus 80 colegas senadores e os 513 deputados, deve ter uma conduta moral adequada. Quando fere esses princípios, o parlamentar corre o risco de ser cassado.
— Em um cargo público, a conduta do indivíduo não lhe pertence. Portanto, deve seguir uma liturgia de protocolos, respeitando limites entre o público e o privado para não manchar o nome da instituição que representa — diz o cientista político Paulo Moura.
Um conhecido ditado ilustra bem as exigências do decoro: "à mulher de César não basta ser honesta, tem de parecer honesta". O cientista político Benedito Tadeu César completa:
— Um senador precisa ter um comportamento exemplar, sem dar margens a ferir a ética. Não pode receber presentes ou representar interesses específicos que não sejam em benefício do que é público.
O decoro também está nos rituais do Congresso. Mesmo quando bate-boca com um colega ou levanta suspeitas contra uma pessoa, um parlamentar não deixa de observar o tratamento culto.
— Em muitos casos, o deputado está fazendo ilações sobre a moral de um colega, mas sempre o chamando de "vossa excelência". É para não cair em quebra de decoro — diz Benedito.
Para ele, porém, o destino de Demóstenes está traçado:
— O que justificaria ele, como senador, ter um celular dito antigrampo oferecido por uma pessoa suspeita? Para que ele receberia esse mimo? Se fosse um presente de parente, até poderia ser uma justificativa. Mas, não há justificativa para receber um presente de alguém que tenha interesses no bem público.
O que é decoro parlamentar
- Decoro é a conduta adequada. No caso de parlamentares, implica um conjunto de princípios e normas que devem orientar o comportamento no exercício de mandatos.
- Essa conduta deve respeitar os limites entre o público e o privado. A quebra de decoro ocorre quando um parlamentar comete um ato que possa ferir a instituição que ele representa.
- Isso pode ocorrer quando há abuso de prerrogativas, recebimento de vantagens ilícitas ou atos irregulares. Mentira em plenário, vínculo com criminosos e o uso privado de bem público também podem ser quebra de decoro.

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