quinta-feira, 31 de maio de 2012

Romário deixa sua marca também na política

Ex-astro do futebol brasileiro vem agitando o país num novo domínio


Romário deixa sua marca também na política Mauricio Lima/The New York Times
Na nova carreira, ex-atacante adotou óculos e o terno preto Foto: Mauricio Lima / The New York Times
Simon Romero

Rio de Janeiro — Durante sua carreira de décadas no futebol, Romário de Souza Faria, malandro de jogo bonito amado no Brasil, gostava de provocações. Ele festejava até de madrugada enquanto seus companheiros amargavam a concentração, brigava com torcedores, menosprezava repetidamente o rei Pelé e sempre reclamava de ter de treinar.
— Se me tornarei um técnico no futuro? — disse ele certa vez, antes de marcar seu milésimo gol e pendurar as chuteiras. — De jeito nenhum. Eu nunca conseguiria aguentar um sujeito como eu.

Naturalmente, mesmo assim ele acabou treinando por um tempo seu antigo clube, o Vasco da Gama.
Hoje, porém, Romário vem agitando os brasileiros num novo domínio: a política.
Eleito para o congresso em 2010, Romário, com 46 anos e ostentando vários cabelos brancos, surgiu como um dos parlamentares mais francos do Brasil, defendendo os direitos de deficientes físicos e oferecendo críticas contundentes sobre a cultura política brasileira e suas preparações para a Copa do Mundo de 2014.
E de forma ainda mais surpreendente, Romário — que costumava dizer que seus companheiros de seleção chegavam para treinar na mesma hora em que ele voltava das boates — também figura entre os políticos mais esforçados do país, possuindo um registro de presença quase perfeito.
— A tendência de todos é evoluir — declarou Romário numa recente entrevista em sua cobertura na Praia do Pepe, uma das faixas de areia mais exclusivas do Rio.
De fato, Romário parece ter adotado tal mudança pessoal que os passantes às vezes precisam olhar duas vezes para reconhecê-lo. Usando óculos e quase sempre de terno preto, o ex-atacante de 1,65 metro, cujo apelido continua sendo "Baixinho", quase poderia ser confundido com um auditor.
O congresso brasileiro recebe novatos bastante inusitados. Um palhaço profissional, chamado Tiririca, venceu as eleições de 2010 num voto de protesto. O boxeador Acelino de Freitas, conhecido como Popó, e dois jogadores de futebol, Danrlei de Deus Hinterholz e Deley de Oliveira, completam uma lista de ex-atletas profissionais que hoje atuam na política.
Mas nenhum possui a estrela de Romário, cuja jornada da boca do gol à Câmara de Deputados permanece impressionante, até mesmo para ele. A incursão na política, segundo ele, só fez sentido após a chegada de seu sexto filho, a menina Ivy, que nasceu em 2005 com síndrome de Down.
Ele conta que seus primeiros momentos após ser informado da doença foram terríveis, e ele se perguntava:

— O que foi que eu fiz? Estou pagando por algum pecado de meu passado?

Sua esposa, Isabella Bittencourt, acalmou-o dizendo que Deus lhes havia enviado Ivy.
Em retrospecto, hoje ele diz que sua filha o ajudou a amadurecer, oferecendo um propósito como político. Após juntar-se ao Partido Socialista, ele começou a focar nos direitos dos deficientes e sua contribuição foi fundamental para a aprovação de uma lei, intitulada em homenagem à sua filha, criando subsídios especiais para portadores de deficiências.
— Finalmente me acostumei com Brasília — afirmou ele sobre a capital, explicando que levou meses para captar a importância das regras arcanas de senioridade e decoro no congresso.
Ainda assim, os longos e prolixos discursos de colegas parlamentares o aborrecem – assim como sua visão aparentemente descontraída sobre o trabalho no legislativo.

"Estou em Brasília há três semanas e nada acontece", escreveu Romário no Twitter em fevereiro. "Será que o ano realmente começa após o carnaval?"
Membros novatos do congresso não deveriam fazer declarações como essa sobre seus colegas, o que talvez explique parte da admiração conquistada por Romário fora de Brasília. Chamando-o de "uma voz no deserto", a escritora Lya Luft louvou sua coragem num artigo sobre a prestação de contas na política brasileira.
As críticas de Romário ao sistema político brasileiro se intensificaram nas últimas semanas, quando ele atacou os preparativos do país para a Copa do Mundo de 2014 — processo que vem sendo marcado por escândalos de corrupção, atrasos nas obras e greves de trabalhadores na construção dos estádios.
Irritando a FIFA, a federação internacional de futebol, os parlamentares brasileiros também brigaram por meses sobre uma controversa lei instaurando a estrutura legal para a Copa do Mundo, com autoridades brasileiras discutindo a possibilidade de vender bebidas alcoólicas nos estádios. Jerome Valcke, secretário-geral da FIFA, enfureceu as autoridades esportivas brasileiras ao citar os atrasos com uma frase polêmica – pedindo um "chute no traseiro" para colocar as coisas em movimento. Embora o senado tenha finalmente aprovado a lei da Copa do Mundo, em maio, Romário declarou que infelizmente tinha de concordar com Valcke.
— Ele está totalmente certo — afirmou Romário, mesmo reconhecendo que algo pode ter se perdido na tradução das palavras do secretário-geral. — O Brasil está muito atrasado e precisa acordar — continuou ele. — Nós brasileiros, feliz ou infelizmente, deixamos muita coisa para o último minuto. Isso significa que muito dinheiro será roubado de nossos bolsos.
Romário, explicando seu temor de que as construtoras poderiam estar atrasando propositalmente os projetos para contornar normas de auditoria e licitações, não está sozinho em expressar preocupação com os preparativos do Brasil. Porém, sua proeminência no mundo do futebol e sua origem nas favelas do Rio fazem com que suas opiniões se sobressaiam.
Nascido na favela do Jacarezinho, ele se mudou para a Vila da Penha aos 3 anos. Recrutado ainda adolescente para jogar pelo Vasco da Gama, ele seguiu carreira na Europa, jogando na Holanda, para o PSV Eindhoven, e na Espanha, para o Barcelona.
Deixado de lado na Copa de 1990 devido a um tornozelo inchado, ele alcançou a grandeza na vitória do Brasil em 1994 – agitando triunfalmente a bandeira brasileira da cabine do DC-10 fretado que trouxe a seleção nacional de volta para casa.
O Brasil também comprovou o senso de merecimento do jogador após um escândalo sobre a decisão, por parte das autoridades fiscais, de permitir que o time vitorioso voltasse com televisores, churrasqueiras, computadores e outros itens – tudo sem pagar nenhum imposto.

— Nós representamos o Brasil — argumentou ele na ocasião. — Se não liberarem minha bagagem, devolvo minha medalha.
A disposição de Romário para falar sem rodeios, muitas vezes empregando gírias das ruas do Rio, elevou sua notoriedade. Cultivando alguns rancores até hoje, ele mantém uma eterna rixa com Pelé, que questionou a validade de sua contagem de mil gols.
— Quando Pelé fica quieto, ele é um poeta — declarou Romário. — Mas quando abre a boca, não acrescenta nada.
Apesar dos ternos feitos sob medida, óculos e outros adornos do poder em Brasília, Romário afirma ainda ser o mesmo homem que corria para cima e para baixo no campo. A controvérsia parece gostar dele — como quando sua habilitação foi apreendida numa batida policial, no ano passado, depois que ele se recusou a fazer o teste do bafômetro.
— Era o meu direito recusar — explicou Romário, que mais tarde na mesma noite foi fotografado numa casa noturna carioca.
Segundo Romário, o enxaguante bucal Listerine poderia ter indicado erroneamente que ele havia bebido, e insistiu que ele raramente se entrega a qualquer bebida alcoólica além de uma ocasional taça de prosecco. Além disso, ele disse que havia proposto recentemente uma lei para tornar os testes de bafômetro obrigatórios em casos suspeitos de embriaguez ao volante.
Embora suas visões sobre a vida política tenham evoluído — ou estejam pelo menos em transformação —, suas opiniões sobre o futebol permanecem teimosas como sempre.
Ele ainda acha que os grandes goleadores merecem mais privilégios que outros jogadores. Ele elogia os talentos de alguns atacantes, incluindo o brasileiro Neymar da Silva Santos Junior, Lionel Messi, da Argentina, e Cristiano Ronaldo, de Portugal. Mesmo assim, respeito relutante é uma coisa; humildade é outra.
Quando questionado se esses excepcionais atacantes possuem seu nível de talento, ele respondeu que não.

— Eles são ótimos jogadores, mas não são nenhum Romário — explicou.
— Para entrar pra história como Romário, eles precisam vencer uma Copa do Mundo — prosseguiu ele, referindo-se a si mesmo na terceira pessoa, como é seu costume.
Com essas palavras, ele voltou os olhos às areias da Praia do Pepe. Um jogo de futevôlei, o esporte brasileiro que combina futebol e vôlei e exige uma destreza espantosa, o chamava. Era sexta-feira, afinal, e os corredores doe poder em Brasília pareciam muito distantes.
Ele insistiu que era o mesmo Romário de sempre, e que seu apetite pelas escapadas noturnas e brigas públicas permanecia forte. Mas num raro lampejo de introspecção, ele também reconheceu que essas ações trazem consequências.
— Eu pago minhas contas — concluiu ele. — E sinto a minha dor.

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