Mona Lisa de museu na Espanha pode ter sido pintada por pessoa que estava ao lado de Da Vinci
Cópia, que acaba de ser restaurada no Prada, em Madri, oferece detalhes que foram obscurecidos na original
A cópia, que mostra uma feição muito mais jovem,
iniciou novamente o debate em torno da restauração da Mona Lisa de Leonardo da
Vinci Foto: Samuel Aranda / NYTNS
Madri — Até recentemente, a cópia da Mona Lisa exposta no museu do Prado, em Madri, na Espanha, — uma das dezenas produzidas ao longo dos séculos — não chamava muita atenção. Então, Ana Gonzalez Mozo se interessou pela obra.
Ao longo dos últimos dois anos, Gonzalez, pesquisadora do departamento de documentação técnica do museu, utilizou todas as técnicas de última geração — raios x, reflectografia de infravermelhos e imagens digitais de alta resolução, entre outras — para realizar e documentar uma descoberta improvável.
Aparentemente, a Mona Lisa do Prado não é apenas uma cópia de 500 anos. Ela provavelmente foi pintada por uma pessoa que estava sentada bem ao lado de Leonardo da Vinci, tentando duplicar cada uma de suas pinceladas, enquanto ele produzia sua famosa senhora de sorriso enigmático.
Quando Leonardo ajustou o tamanho da cabeça de Mona Lisa, corrigiu as mãos, diminuiu os seios ou baixou o corpete, quem pintou a Mona Lisa do Prado fez exatamente o mesmo.
— Elas só podem ter sido pintadas ao mesmo tempo— afirmou Gonzalez.
— As pessoas que copiam não fazem correções, porque jamais viram as mudanças. Elas só veem a superfície da pintura.
A descoberta é especialmente importante em função do que ela revela acerca da verdadeira Mona Lisa, uma pintura que foi escurecida por camadas de laca antiga.
A cópia, que acaba de ser restaurada, oferece detalhes que foram obscurecidos na Mona Lisa original. Por exemplo, a cópia mostra um descanso de braço que não está visível na versão original e a reflectografia mostra uma imagem muito mais clara da cintura.
— O que é realmente importante acerca da cópia é que podemos ver como Leonardo trabalhava — afirmou Gonzalez.
— Descobrimos algo novo sobre seu processo criativo.
A cópia, que também mostra uma feição muito mais jovem, iniciou novamente o debate em torno da restauração da Mona Lisa de Leonardo da Vinci. Gonzalez disse que essa é uma decisão difícil para o Louvre, já que as pessoas estão tão acostumadas com a aparência atual da pintura. Mas ela não consegue conter sua curiosidade.
Possível descoberta foi feita pela pesquisadora Ana Gonzalez Mozo
Foto: Samuel Aranda/NYTSN
Quase sempre, Gonzalez passa o tempo olhando sob a superfície das obras-primas do Prado, procurando por indicações dos métodos e da maneira de pensar dos artistas. E, segundo ela, ao fazer isso ela descobriu grandes tesouros. Muitas pinturas importantes têm rascunhos ou primeiras tentativas — ajustadas e novamente trabalhadas — sob a imagem final. Às vezes, a obra de baixo é até mais fascinante que a própria pintura.
— Eu tenho a oportunidade de ver o que só o artista viu — comentou.
— E ele viu isso há quinhentos anos.
Durante uma recente visita, o local de trabalho de Gonzalez era tão fresco e arrumado quanto um laboratório de informática. A única coisa que indicava sua função era um conjunto bagunçado de imagens em tamanho real da Mona Lisa do Louvre e da cópia do Prado espalhadas sobre uma mesa.
Ela passou as mãos sobre as fotografias, apontando para as similaridades; elas eram claras até para olhos leigos. No que você estava pensando quando fez essas descobertas?
Você ficou impressionada?
Ela rejeitou essas questões.
— Outras pessoas já me perguntaram isso— afirmou, como uma espécie de resposta. — Eu sou muito calma, muito prudente. Quando fiz a descoberta, falei com nosso curador.
Algumas revistas de arte especularam que a Mona Lisa do Prado teria sido pintada pela amante de Leonardo. Mas Gonzalez não tem paciência para esse tipo de fofoca.
— Isso é irrelevante — afirmou. —Nós não sabemos nada disso, e o trabalho feito aqui não tem nada a ver com isso.
O Prado, que herdou a pintura com o restante da coleção real em 1819, a exibia até dois anos atrás, sem nunca desconfiar de sua importância. Ela foi catalogada sem pompa como uma cópia anônima pintada em tela de choupo.
O plano de fundo da cópia era preto e a pintura estava coberta com uma camada de verniz escuro, que dava a ela um brilho amarelado que contribuía para diminuir sua vivacidade.
Mas o Louvre planejava fazer uma exposição especial da obra de Leonardo da Vinci e, como não queria retirar a Mona Lisa original de sua área protegida, ele quis emprestar a obra do Prado como substituta. Um comentário casual feito por um dos curadores do Louvre, perguntando se a obra já havia sido estudada, fez com que Gonzalez refletisse.
No dia seguinte, ela levou sua câmera de infravermelhos para a galeria e começou a trabalhar. A primeira foto já foi o bastante para que ela concluísse que ambas as pinturas haviam sido produzidas lado a lado. Depois disso, ela só precisou esperar que as evidências se acumulassem.
A descoberta mais empolgante talvez seja a de que o fundo original da pintura havia sido escurecido por uma camada de tinta preta, uma prática comum utilizada nos século XVIII. Por sorte, uma camada de laca protegia o que estava por baixo. Portanto, assim que a tinta foi removida, foi possível ver a mesma paisagem da Toscana que está presente na obra de Leonardo, oferecendo uma prévia tentadora do que poderia ser visto caso a Mona Lisa do Louvre fosse restaurada.
Entretanto, eles estão certos de que a pintura do Prado não é uma cópia feita pelo próprio Leonardo da Vinci. Ainda que as correções sejam idênticas, as linhas não são. "Assim como podemos afirmar que o seu A e o meu A são diferentes quando escrevemos", afirmou Gonzalez.
Segundo ela, partes da cópia do Prado são lindas, como as mãos, por exemplo. Mas, no geral, ela não é uma obra tão refinada.
Ainda não se sabe por que ela foi realizada; poderia ser simplesmente o exercício de um aluno ou uma encomenda dupla.
Gonzalez começou a trabalhar no Prado há 16 anos, quando estava terminando o doutorado. Ela foi uma das primeiras pesquisadoras de arte a se concentrar no uso de técnicas computadorizadas para estudar pinturas. "Quando comecei a estudar, o Windows ainda nem existia", contou. Mas, segundo ela, aos poucos todos os tipos de técnicas de computador se tornaram ferramentas importantes no estudo das pinturas.
Todos em sua família são cientistas, comentou. Sua escolha por uma graduação em belas-artes foi uma espécie de rebelião.
Quando ela começa a estudar uma pintura, faz um desenho dela, como forma de se familiarizar com a obra.
Gonzalez parece indiferente à atenção que sua recente descoberta está atraindo. Ela afirma ter participado de descobertas infinitamente mais espetaculares. Por exemplo, ela contou que raios x e reflectografias de infravermelhos mostram que Tintoretto esboçava corpos nus sob suas figuras vestidas.
Mas, por alguma razão, é sobre a cópia da Mona Lisa que todos estão falando.
— Isso capturou a imaginação das pessoas — contou. — Ela é um ícone.
A Mona Lisa do Prado foi emprestada para o Louvre até junho.
Nenhum comentário:
Postar um comentário