Cidade espanhola vai à falência e depende de voluntários para funcionar
Prefeitura do município de Higuera de la Serena conta com ajuda dos habitantes para a realização de serviços públicos
Exército de voluntários de povoado na Espanha realiza tarefas que a administração não consegue cumprir Foto: Marta Ramoneda / The New York Times
SUZANNE DALEY
Não demorou muito para Manuel Garcia Murillo, um pedreiro que se tornou prefeito de Higuera de la Serena em junho passado, perceber que estava em apuros.
A cidade tinha mais de 800 mil euros (R$ 1,8 milhão) no vermelho. Não havia dinheiro para pagar nada – e havia trabalho a ser feito.
Algo de extraordinário, então, aconteceu. Quando o departamento de saúde pública estava prestes a fechar uma creche porque a cozinha estava em péssimas condições, Bernardo Benitez, um pedreiro, se ofereceu para arrumar o local de graça.
Então, Maria Jose Carmona, professora de adultos, se dispôs a limpar o lugar. E, de alguma maneira, os voluntários continuaram chegando.
Agora, todos os domingos, os habitantes desta pequena cidade no sudoeste da Espanha – tanto os jovens quanto os velhos – fazem o que é preciso ser feito, seja limpar as ruas, varrer as folhas, desentupir os bueiros ou plantar árvores no parque.
— Foi iniciativa deles. A cada dia, falávamos com as pessoas e dizíamos que não havia dinheiro. É claro que eles podiam notar. A grama entre as calçadas já estava na altura das minhas coxas — relembra Garcia.
Conjunto de cerca de 900 casas cercadas por fazendas, Higuera de la Serena é, em muitos aspectos, um microcosmo dos problemas pelos quais a Espanha está passando.
Arrebatada pelos dias prósperos do boom da construção civil, a cidade chegou a construir um centro cultural e investir em uma pequena casa de repouso. Agora, não consegue se manter em dia com seus gastos e está devendo dinheiro até a músicos que tocaram nos eventos durante os feriados.
População assumiu os deveres do Estado
É um problema comum em muitas das cidades pequenas, mas o que trouxe fama a Higuera de la Serena é o fato de que seus habitantes resolveram assumir a responsabilidade nos setores em que o governo falhou.
A maioria dos voluntários trabalha aos domingos, reunindo-se às 8h30min. Depois, eles fazem um almoço comunitário. Mais de 80 moradores já se ofereceram para trabalhar.
Garcia, que também é voluntário, diz que muitas autoridades de outras regiões perguntam como podem reproduzir isso em suas localidades.
— Investimos em obras públicas que não eram sensatas. Estamos em falência técnica — afirma Garcia.
Segundo o prefeito, o dinheiro que entra precisa ser gasto imediatamente. A última administração usou verbas da União Europeia (UE) para oferecer cursos de educação para adultos. Mas o programa não atraiu um número suficiente de participantes e a cidade recentemente pagou uma multa de US$ 34 mil (R$ 61 mil) por isso.
Higuera também pegou um empréstimo da União Europeia para o aumento de um café em uma piscina local, mas os recursos foram gastos antes que o trabalho começasse, o que lhes rendeu uma nova multa.
Garcia afirma que é procurado por fornecedores todos os dias, que imploram pelo pagamento. Muitos deles mal estão conseguindo sobreviver:
— Eles pedem por favor. São nossos vizinhos. Nós os conhecemos. Se não pagarmos o cara do óleo, não haverá aquecimento na escola.
Há muitas suspeitas em relação aos gastos da cidade, assim como em toda a Espanha. Ex-prefeita de Higuera de la Serena, a socialista Bibiana Frutos Martín disse que era difícil resistir aos desejos da população por cada vez mais serviços.
— Mantivemos muitas atividades pelas quais não temos conseguido pagar. Fizemos isso porque os habitantes queriam — afirma.
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